Por Fabiane Aguiar Silva
A singela e metafórica produção cinematográfica em questão trata-se da narração da história real de duas subjetividades que ao primeiro olhar ressaltam-se dicotômicas, porém, os contrapontos de suas existências revelarão a cumplicidade de ambos na compreensão do mundo, essa é a história de Mary e Max. O enredo se desenvolve a partir das disparidades entre as realidades da doce garotinha e do solitário homem, porém, as distinções vão se tornando ínfimas ao serem constatadas as dificuldades de ambos em lidarem com o laço social em que estão envolvidos.
Mary Daisy Dinkle é uma menina de 8 anos de idade que vive nos subúrbios de Melbourne , Austrália com sua mãe (seu pai, após o divórcio, vive sozinho em uma outra casa e em seguida chega a falecer), seu galo e seus brinquedos fabricados artesanalmente por ela mesmo. Max Jerry Horowitz é um judeu de 44 anos, que vive em um apartamento junto a seu peixe (Henrique XIII – o oitavo peixe, último e ainda sobrevivente) na caótica Nova York, além da solitária existência, o funcionário público sofre de obesidade e enfrenta uma rara patologia chamada Síndrome de Asperger. As personagens se caracterizam como cúmplices ao tentar atribuir sentido às suas angústias de “inadequação” em contextos distintos. O desejo particular que move Mary e Max é a chave do encontro de suas vivências.
Após um fenômeno do acaso, Mary, que não possui amigos e é ridicularizada por aqueles que poderiam ser, sente o desejo de corresponder-se alguém que sanasse suas dúvidas e a auxiliaria na compreensão do que ela não entende ou não conhece. Após abrir uma lista telefônica de porte enciclopédico, a menina divaga sobre os donos dos nomes ali publicados, e ao arrancada de sua leitura pela mãe durante uma fuga, Mary rasga o final da página e leva consigo um registro: o endereço do americano de “nome estranho”, Max Jerry Horowitz. Em seguida ao acontecido, uma ingênua e simples correspondência transformará a vida de ambos para sempre e os inscreverá em duas décadas de história e amizade. Ambas as existências se tornam companheiras através de cartas que trocam experiências relacionadas aos principais questionamentos sobre a vida, o cotidiano, crenças, dúvidas triviais ou singulares, dentre outros assuntos que inquietam a subjetividade.
Mary lança Max aos questionamentos da realidade que o distancia da vida em sociedade e que o aproxima da síndrome de não conseguir lidar com a elaboração emocional e metafórica sobre a vida, o intrigante e o indizível. Enquanto Max questiona Mary, através de perguntas simbólicas que destacam sobre a vida a qual a menina está diante, existência cuja interação está em seu início e aos primeiros passos encontra dificuldades.
Destaca-se a relação construída entre Mary e Max como um fenômeno que não existia na história de cada um. Com paciência, humildade e significância, Max respondia às perguntas de Mary e esta o retribuía com carinho, fidelidade e guloseimas. A recém vivência social de Mary encontrava na avançada idade de Max, a constatação de que o laço social em que interagiam não proporcionava a ambos, aquilo que desejavam. Independente da idade, as interações sociais não facilitam o afeto nem aos mais velhos, nem aos mais novos. Quem seriam os afortunados por esta sociedade atual?
Aparentemente, a história das vidas solitárias de Mary e Max poderia apresentar um enredo clichê de segregação, indignação e pessimismo, porém, o desejo, a ternura e a personalidade curiosa e indagadora de Mary e Maxi, respectivamente, constroem a narrativa de um conto reflexivo e realista sobre o laço alternativo ao laço social régio, a amizade pelo afeto independente das convenções.
O social abordado nesta discussão trata-se das relações e interações entre os indivíduos que convivem aos ditames do ético, civil e político, porém, revela-se protocolar, por via das convenções e essencialmente do espetáculo, do consumismo, dos ícones e da ridicularização do ser desprovido de tais critérios. (Colocar trecho da “Sociedade do espetáculo” ou “Laço social”).
“[...] o laço social contemporâneo é um paradoxo na impossibilidade do discurso capitalista de fazer laço e ‘se hoje nos sentimos tão melancolicamente livres, é que nos falta tinta vermelha, falta-nos linguagem para formular a verdade relativa à nossa ausência de liberdade’.”(Teixeira, 1999 p. 39 in Silva & Couto, 2009).
Mediante as referidas reflexões, questiona-se: se o afeto, o respeito, a cumplicidade e as relações são mecanismos que não fazem parte do vínculo social, qual seria a matéria-prima desta vinculação?
A discussão psicanalítica sobre as temáticas em voga possibilita-nos questionar os padrões construídos pela sociedade para sustentar a neurose coletiva da recusa ao que é castrador. A falta é representada pelo vazio sufocante que imerge o sujeito na busca pelo compensador e reparável a partir da negação angustiante da constatação do limite e da finitude.
Referencial Bibliográfico
Silva, Liliane M. A.; Couto, Luis Flavio. A questão do suicídio: algumas possibilidades de discussão em Durkheim e na Psicanálise. Arquivos Brasileiros de Psicologia.Vol. 61, No 3 (2009).